Uma menina, uma moça, uma mulher; uma menina de novo. Agora a vejo como é: em seus conflitos, em suas ânsias e fraquezas. Percebendo sua fragilidade, descobri o quanto ela é forte. Já falei com seus olhos, ora os mais felizes, ora os mais tristes do mundo. Suas lágrimas já se misturaram às minhas.
Sua mão agora mostra um horizonte intransponível: azul, escuro. Um horizonte cinza, cerceado de nublado. Muitas vezes essas escuras nuvens me enchem de receio, medo e insegurança.
A menina parece não se preocupar: - Vem comigo?! – Pula sobre minhas costas, me enlaça o pescoço e pede para irmos logo. – Vamos aproveitar que está dia e ainda conseguimos enxergar o caminho.
- Mas e se ficar noite, menininha? – Supunha eu, esperando algum tipo de entrave.
- Eu tenho medo do escuro. – Respondeu altiva.
- Eu também tenho.
- Então anda logo.
Ela parece tão segura de si às vezes, mas essa segurança me parece ser fruto de sua própria incerteza, “certa” de coisas que passaram e que podem se repetir, mas que nunca foram.
Já há um mês estamos andando rumo ao horizonte lá longe. Já encontramos alguns abismos e vales no caminho, mas a menina sempre os contorna. Há alguns dias levamos um tombo. Fiquei caído ao chão um tempo, ela levantou e continuou a viagem sozinha por algumas horas. Eu estava consciente quando ela ainda se despediu. Disse-me que não queria depender de mim para chegar ao horizonte desconhecido, que queria estar do meu lado sem motivo. Reconheci sua destreza, a deixei ir. Precisava agora de um tempo para recuperar-me da dor do tombo e retroceder no caminho de volta.
Todavia, quando virei-lhe as costas, decidido a voltar pra minha casa, a menininha saltou novamente em minhas costas, e agora, além das mãos enlaçando meu pescoço, suas pernas abraçavam forte minha cintura.
- Não me deixa ir sozinha. Não quero te perder, ir sem você. Tenho medo.
- Mas foi você quem quis ir sozinha, menina.
- Eu sei, mas não quero ir mais. Sinto tua falta.
É tão difícil, nunca sei se to fazendo a coisa certa. Mas que importa se é certa quando gostamos tanto de alguém?
Ali, selamos novamente um acordo tácito, silencioso, intenso.
O caminho é sinuoso, principalmente para nós que procuramos justamente as curvas, as pedras. Como doem nossos pés, principalmente quando pensamos neles, como doem!
Hoje chegamos a um jardim cheio de flores e borboletas. Deitamos na relva para descansar um pouco, então todas as borboletas foram embora. Pensamos que nós havíamos espantado-as. Será que estamos fazendo o certo? Será que as borboletas sempre irão embora?
- Para mim, as borboletas não são tão importantes assim – Retrucou a menininha, cheia de si.
- Nem para mim. – Respondi.
Então ficamos contemplando o céu azul, e conversando coisas banais sobre nossa jornada.
On [O tempo passa e somos cada vez mais o “outro”, literalmente. Não entendo bem o que se passa comigo, nem é meu objetivo saber. Antes, pensava que o amor nascesse da convivência, hoje não sei mais o que penso e nem sei se o conceito de amor que eu tinha continua o mesmo. Um mês parece pouco tempo para um “eu te amo”; mas acreditem, eu a amo. Vez ou outra, penso no começo, nas conversas sobre livros, filmes e letras de músicas dos Los Hermanos: “abre essa porta, VAI, POR FAVOR!”... “AH, VAI, me diz o que é sufoco que eu te mostro alguém...”. Interjeições que nos fascinavam, que nos fascinam! Coisas simples!Meu afeto sempre existiu, e sempre foi especial, o carinho sempre foi maior pela menininha de olhos grandes e sotaque engraçado típico de interior. Talvez, inconscientemente já soubesse desse sentimento, mas estava em estado latente, uma espécie de “vontade de potência” (F.N.).
Um CD, um abraço, um perfume, um lugar, um “tchau”...
Uma ligação...
Um retorno, um sorriso, um abraço, outro lugar, outro perfume!
Um alguém, outro lugar, mensagens de celular, um pedido de casamento, um CONTRATO (será que eu vou conseguir não falar nesse contrato um dia? J), uma estupidez, um aprisionamento, uma desilusão...
Uma noite, um convite, uma boate, uma outra menina, um beijo, um olhar...
O dia seguinte, um telefonema, uma visita, um sorvete, um passeio...
Mais passeio...
Conversa, indiretas, metáforas...
(parte impossível de descrever pelo excesso de subjetividade objetiva). Hahaha!
Mais passeio... Mais conversa...
Um semáforo, uma cor, um beijo... Um beijo... Um beijo...
Aaaaaaaaaahhh, outra cor!!!!!!
Outro perfume] off
Eu poderia agradecer a deus pela menininha, mas eu não acredito nele. Eu poderia me considerar um homem de sorte, mas vá lá, eu também não acredito muito na sorte... O que posso fazer é admirar o acaso, a fortuna, me espantar pela maneira com que as coisas acontecem e, finalmente, me orgulhar por fazer parte de todo esse complexo que insistem em simplificar, ou dessa simplicidade que insistem em dificultar, sei lá.
A menininha revolta-se (inconstante!):
- Mas por que temos que ir até o horizonte? Olha lá, tão nublado. Todo mundo quer chegar a esse horizonte. Mudei de idéia, eu não quero mais ir pra lá, prefiro aquele terreno lá ao longe, onde as árvores dão frutos doces e sombra fresca, onde tenho tudo para ser apenas eu mesma. Eu só quero ir pra aquele cantinho.
Respondi:
- Mas, veja menina, seu cantinho é além do horizonte, e para chegarmos lá, precisaremos passar pelo horizonte e por onde todos estão passando, parando e ficando. É que nós temos “força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê”.
- Mas será que teremos força para ultrapassar o limite de todos que foram e pararam?
- Não sei minha linda, não sei.
O tempo foi passando e fomos cada vez mais nos conhecendo, e esse conhecimento não é sinônimo de cansaço, igualdade, previsibilidade; é o novo todo dia, uma rotina gostosa, “desrotinada” é o riso diferente, é um tocar mais profundo, é um “estranhamento” a cada beijo, a cada olhar. Uma interpretação nova para um rosto agora familiar e presente. Aprendi que o problema não é você se acostumar com uma pessoa todo dia, é você se acostumar com o que você acha que ela é ou representa, ou ainda, com o próprio conceito que fora construído para ela. Quando humanos viram modelos ou idéias pré-concebidas, deixam de ser humanos e viram coisas. Coisas as quais se olham e já se sabe por que não vale à pena tê-las para si: são apenas um amontoado de idéias iguais, sobre uma realidade real e mutante que nada tem a ver com o amontoado de idéias do ser-humano-coisa. Não que não se deva ter um ideal, uma visão; muito pelo contrário, é necessário que tenhamos, porém, essa visão e esse ideal devem ser freqüentes alvos de mudanças, devem estar livres de estereótipos de interpretações simplistas e opacas.
Livremo-nos de um dia assemelharmo-nos ao ser-humano-coisa, estagnado, aleijado no horizonte.
- Eu só queria o meu cantinho – continuou a menina insatisfeita.
- Seu objetivo é um “fim”. Andar por esse caminho, passar por essas dificuldades e estar aqui comigo podem ser só um meio. É certo o pensamento de que não desejamos o objeto desejado, mas sim o desejo. Talvez depois que você consiga chegar ao seu destino, perceba que a melhor parte da sua vida, foi o caminho até a chegada. Tudo o que foi vivido, aprendido, cultivado... É disso que sentirás falta quando chegar ao seu simplório lugarzinho.
- Eu só queria deitar embaixo daquelas árvores, era só isso. Só queria meu lugarzinho.
- Ainda bem que não me entendeste, menininha. Talvez ainda não seja realmente hora.
Continuamos a viagem rumo ao horizonte e a chegada, enfim, estava cada vez mais próxima.
Depois de muitas histórias; de muitas alegrias e tristezas, sorrisos, lágrimas, frio, calor, conflitos, reconciliações e reencontros, chegamos ao horizonte tão cobiçado... “É preciso criar laços”. Sim, não é somente aconselhável, é PRECISO criar laços, e, além disso, o mais difícil: “mordê-los bem para que não se desfaçam”.
Passamos algum tempo olhando tudo e todos, descobrimos que aquilo era lugar nenhum. Continuamos a viagem, rumo ao cantinho da menininha, que a essa altura, estava em êxtase.
Acomodamo-nos ao lugar, tivemos sombra, alimentos e vida simples durante algum tempo ignorado.
Certa manhã, a menina acordou chorando, soluçava com os olhos encharcados de lágrimas. Deitada junto a mim, disse-me que sentia falta da estrada, do caminho, da viagem. Lembrou que não cultivara nem cativara nada. Deixou algumas sementes, mas não cuidou para que germinassem.
Ela descobriu que a verdadeira completitude do ser estava em fazer o caminho valer à pena, fazer valer o esforço e olhar pra trás vislumbrando as flores que foram plantadas, e a luz deixada na estrada.
Descobrimos que o “lugar nenhuma” é realmente lugar nenhum. É a presença do agora. É verdade que o sentido da vida está na busca constante, todavia, essa busca não pode limitar-nos. Como se sabe, as borboletas acabam vindo até o jardim quando se cuida bem dele, e o caminho sempre será diferente se conseguirmos mudá-lo a cada olhar. Não a mudança radical e a revolta infundada. É entender que uma folha cai, é olhá-la cair e contempla-la no chão. Saber que um dia ela já esteve lá em cima, que já foi de outra cor, que passou por tempestades, sol, vento, que enfim, irá se decompor e virar pó.
A menininha pegou suas coisas, saiu do seu cantinho e começou outro caminho. Sempre, sempre em busca de “lugar nenhum”, o verdadeiro lugar, o lugar que não é simplesmente geográfico e material, mas principalmente, o “lugar nenhum” do lado de dentro.
- Eu te amo.
-Também te amo, minha menininha. Adeus.
Com lágrimas nos olhos, a vi partir. Ela não olhou pra trás, ao longe vi as borboletas se aproximarem dela novamente, agora elas acompanhavam minha menina, que desapareceu no outro horizonte e que, certamente, deve ter encontrado seu verdadeiro lugar.
-fim-
...
Verdadeiros sentimentos não são julgados pela intensidade, mas sim pela sua duração, e acho que mantê-los é tarefa dos mais fortes. Nem sei se somos tão fortes assim, mas ao contrário dos meus relacionamentos passados, o tempo passa e meu amor por ti aumenta, aumenta e aumenta.
...
“Coração tem aquele que conhece o medo, mas domina o medo; o que vê o abismo, mas com arrogância”. (F.N.)
E lembre-se: “você é o Oceano Pacífico, você é o Universo...”
HaHaHa!
...
Cleomilton Filho, 11 de setembro de 2006.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário